Projeto


CAMBIO DELL'ARTE está inserido em um campo de pesquisa denominado "TEATRO-MÁSCARA-RITUAL", o qual acontece na forma de seminários internacionais, desde de 2010, cujo objetivo é de realizar, aprofundar e divulgar um projeto de pesquisa, extensão e intercâmbio cultural dentro da cultura popular de dois países (Itália e Brasil), em âmbito acadêmico, artístico e social. 

Nessa edição, o projeto e evento tem como atividades centrais a prática da investigação dialogal das práticas da commedia dell'arte, mais especificamente as Máscaras, e do Cavalo Marinho, mais especificamente as figuras e danças. Mantendo, ainda, um segundo foco de discussões dentro do conceito de interculturalidade, tendo como principal eixo a diversidade e a não supremacia de qualquer cultura ou das ditas culturas nobres.

O interesse em dialogar com as culturas do Brasil e da Itália nasceu com a pesquisa de doutorado de Joice Aglae, a qual é voltada para a commedia dell'arte, porém, tendo como força motriz a cultura popular brasileira. 

A commedia dell'arte é o tradicional teatro de Máscaras, da Itália. Seu histórico vem desde o teatro chamado primitivo, depois percorreu toda a Idade Média, sofrendo algumas modificações, chega ao Renascimento, onde alcançou seu sucesso maior, com companhias que percorreram toda a Europa e Rússia e, posteriormente, em novecentos, em outros continentes. É composto por várias Máscaras/arquétipos, entre as quais estão Zanni, Arlecchino, Pantalone/Magnifico, Brighella, Capitano, Dottore/Balanzone, Pulcinella, Servetta e Innamorati/Nobili, sua dramaturgia é em forma de roteiros/canovacci, tendo ainda os chamados lazzi, uma espécie de repertório de números que eram encaixados em qualquer roteiro ou usados para improvisar.

O Cavalo Marinho é uma prática popular rural da zona da mata norte de Pernambuco e da Paraíba ligado aos ciclos natalinos. É um folguedo realizado por trabalhadores rurais ligados ao plantio da cana-de-açúcar, em sua maioria. Tal prática tem como elementos que a compõem música, teatro e dança. No que diz respeito à sua dramaturgia, é difícil de se precisar, mas pode-se dizer que possui cerca de 63 episódios e 75 figuras (máscaras) que dançam, interpretam e se comunicam com o público improvisando. Essa manifestação é encenada durante uma noite inteira repleta de gestos, corporalidades específicas, vitalidade, vigor físico com habilidades e beleza que impressionam o espectador. 

O encontro de Joice Aglae com Claudia Contin e Veronica Risatti, pesquisadoras da commedia dell'arte, veio fortalecer os elos entre a cultura popular italiana, em específico a commedia dell'arte. Enquanto que o encontro com mestres do Cavalo Marinho, como Biù Alexandre, o contra-mestre Aguinaldo Roberto e com brincadores/pesquisadores como Lineu Gabriel (Grupo Peleja), fortaleceu o elo com a cultura popular brasileira. 

A partir dos primeiros experimentos práticos e teóricos do doutoramento, surge a possibilidade de aprofundar alguns aspectos da pesquisa, tendo como base a vivência entre pesquisadores e brincantes, gerando outros experimentos cênicos e trocas de saberes entre mestres populares/ brincadores e atores/pesquisadores e  fomentando a reflexão intelectual acadêmica e profissional. 

O diálogo entre Cavalo Marinho e commedia dell'arte possui muitas nuances, e se torna necessário dizer que as conectividades mais intensas não estão nas características gerais destas práticas, porém, nos detalhes de ambas. Certamente, quem conhece a commedia dell'arte e o Cavalo Marinho, percebe que estas práticas espetaculares populares são autênticas em sua complexidade, com características bem definidas, ambas são constituídas de teatro, dança, canto, música, Máscara, ritual, festa e religiosidade – cada elemento desses desenvolve importância e modos de presença diferentes na cena de cada uma delas. Ainda, ambas as práticas espetaculares populares começaram com os trabalhadores rurais e possuem relações estreitas com a terra e o plantio.  Quando se vê uma sambada de Cavalo Marinho, algumas observações sobre a commedia dell'arte criam sentido, as descrições de como eram os espetáculos de commedia dell'arte e, principalmente, as descrições do jogo dos atores -  como quanto   Taviani em “A arte secreta do ator” afirma que a commedia dell'arte, na cena, é como uma “dança das energias” (TAVIANI: 1995). O Cavalo Marinho traz essa impressão também - uma dança das energias. O jogo e o corpo dos brincadores possuem uma incrível espontaneidade, fazendo tudo parecer all’improvviso, tal como parecia ser com a commedia dell'arte - segundo descrições  de espetáculos de commedia dell'arte

O fato das duas práticas espetaculares populares trabalharem com arquétipos e com Máscaras, com certeza já coloca essas práticas em conexão direta. Sem falar nos corpos dos atores e brincadores que possuem grande vivacidade e energia para sustentar tais Máscaras arquetípicas (e aqui, devo chamar a atenção para as Máscaras de couro, aquelas que possuem o objeto máscara, e as máscaras físicas, as quais são a base das Máscaras objetos, mas que também podem ser utilizadas sem o objeto).

Desde anos atrás a Cia Buffa de Teatro, juntamente com a Bottega Buffa CircoVacanti, vem desenvolvendo experiências cênicas com as Máscaras da commedia dell'arte e o Cavalo Marinho, mas o desejo de procurar outras possibilidades de treino, cenas e intercâmbios entre as duas práticas espetaculares populares fez com que a Cia Buffa de Teatro fosse buscar uma parceria mais intensa com os brincadores e pesquisadores mais próximos da brincadeira do Cavalo Marinho, através do Grupo Peleja, mais especificamente, Lineu Gabriel, o qual tem como parceiro o contra-mestre Aguinaldo Roberto da Silva, do Cavalo Marinho Estrela de Ouro, de Mestre Biu Alexandre, da cidade de Condado-PE. 


A observação das práticas espetaculares como um todo, mas também em seus detalhes, aguçam a curiosidade em direção às diversidades e ao diálogo entre estas e as culturas que as engendram. A experiência e vivências de intercâmbio entre as práticas espetaculares populares do Cavalo Marinho e da commedia dell'arte servem de referência para o fomento de outras reflexões teórico práticas intelectuais sobre interculturalidade, tendo como principal eixo a diversidade e a não supremacia de qualquer cultura ou das ditas culturas nobres e, desse modo, promovendo a circulação de diferentes saberes através de eventos com caráter conferencistas, workshops, mesas redondas, espetáculos, demonstrações técnicas e debates abertos.

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